Devaneios em Parceria
- Deixe-me ser aquele quem vai te acordar todos os dias com um beijo, Julia.

   Robert a olhava no fundo dos olhos. Estava sendo sincero. Seus lábios padeciam, úmidos, a pouca distância dos seus; só mais um pouco...
   Ela sentia seu peso, tão bom, contra seu corpo nu, e se perguntava se não estava confundindo aquele lugar simples com o tal Paraíso. Tão quente...
   - Não entendo onde quer chegar...
   - Quero dizer, que quero sentir este seu calor, e ver este sorriso por muito tempo ainda.
   Como para mostrar do que estava falando, ele beijou seu pescoço e logo depois sua boca, tão terna e delicada. Aconchegou-se mais junto a ela, que já oscilava em direção a ele sem que precisasse de estímulo. Tão macio...
   - Você tem certeza, Rob? Você sabe que nossa convivência não é assim tão fácil.
   - Sim, eu sei... mas são coisas que se resolvem se as enfrentarmos juntos. Sentindo você assim... tão perto... eu vejo que amo você, apesar de tudo. E que podemos seguir nos adaptando um ao outro, minha Julia...
   - Então beije-me, Robert. Ensina-me a amar loucamente.
   E com um beijo eles selaram a promessa de amor eterno. Julia tinha muitas feridas, mas não há nada que o amor não cure. Enquanto seus corpos dançavam, em um delírio de braços e pernas entrelaçados, sentia que não havia nenhum outro lugar melhor para estar do que aquele.
   ''Eu quero viver este romance... tão cheio de vida. E caso ele esfrie, nós o reviveremos, Rob.'' - pensava ela.
   - Minha Doce, Julia...
   A noite é uma criança, leitor. Mas feliz é aquele que a ultrapassa sem pressa, nos braços daquele que se ama. Assim que provares da sensação de senti-se assim, completo... saberás que não existe nada na vida que    possa acabar com um sentimento assim.
   Quem foi que disse que a paixão não pode misturar-se ao amor?
                                                                                                                     Vanessa
Devaneios em Parceria
    Minha vida era feita, bem resolvida. Eu não tinha com o que me preocupar, até então.
   Em uma certa tarde, o telefone da minha grande casa tocou. Apesar de não sentir, aparentemente, nenhuma energia, senti a vibração da notícia que estavam prestes a me dar antes de ouvi-la. Meu coração disparou, e puxei com pressa o telefone do gancho.Intuição. A voz que vinha do outro lado da linha era abalada.

  - James? É a Marta... Eu tenho uma noticia para te dar... - a voz do outro lado do telefone hesitava em falar, mas não demorou-se. 
   - É sua mãe James, ela não tem mais muito tempo de vida... Infelismente parece que não irá aguentar mais do que duas semanas. Ela pediu que você viesse vê-la.
   Então respondi.
  - É claro... farei tudo que estiver ao meu alcance para vê-la.

   Tentei ao máximo evitar que escorressem lágrimas do meu rosto. Logo eu, que me achava forte o suficiente para não chorar por ela...
   Remarquei todas as minhas reuniões e compromissos para outro dia. O desejo dela era me ver, e o meu também. Ela merecia essa felicidade. Rezava para poder vê-la de olhos abertos quando chegasse. 
   Arrumei minhas malas. Entrei em meu carro, coloquei o cinto de segurança e acelerei, mal percebendo as paisagens pelas quais passava. Enfim cheguei na velha fazenda, desci do carro e olhei fixamente em volta. A casa era feita de madeira surrada, e na frente havia uma pequena sacada onde descansava uma cadeira de balanço, dinâmica pelo balanço do vento.          Tomei coragem e me dirigi até a casa, que não mudara nada depois de minha saída de lá. Entrei, e de cara eu vi a imagem enorme de uma santa a qual minha mãe era devota, e então sorri. Sem mais demora, fui em busca do quarto de minha mãe. Abri a porta, que ainda rangia do mesmo jeito, e lá estava ela, dormindo de olhos fechados e pés esticados. Por incrível que pareça, sempre pensei que via nela um sorriso no rosto quando dormia...

  - Ela está descansando. - Sobressaltado, olhei para trás para descobrir quem tinha falado. A velha senhora negra me olhava com doçura. - Venha até a cozinha, vou lhe contar as novidades enquanto ela não acorda.

    Segui a velha senhora até a cozinha e logo puxei uma cadeira, sentando-me sem demora.  Eu a ouvia  falar e comentar tudo o que tinha acontecido nos últimos vinte anos, tudo desde que saí dali. Aquele ambiente parecia completamente estático, sem movimento. Tudo parecia parado, a princípio, mas logo percebi algo que balançava, no pátio, pendurado em uma árvore. Fui em direção daquilo que me chamava atenção, caminhando vagarosamente, até que tudo ficasse cada vez mais claro. Era o balanço o qual a 25 anos atrás eu amava. Minha mãe teve um grande trabalho em montá-lo para mim. E ainda estava intacto. Meu sorriso veio espontâneo. Ria enquanto mirava o balanço, que estava coberto com as folhas douradas da árvore. Cheguei perto, tirei-as dali e sentei-me no balanço que muito aguentou meu peso, quando era criança. Sorri mais uma vez e olhei pra frente. Vi aquela Paisagem, que eu adorava ver quando era pequeno. Os morros tocavam as nuvens, e o lago enorme refletia as montanhas, fazendo o lugar parecer encantado. Mais um sorriso. Olhei de repente para o lado, e quase desmoronei em lágrimas. Lá estavam, totalmente intocadas e perfeitas, as duas varas de pesca, sempre parecendo prontas para o pescador, e lembrei-me que, antes te ir embora, prometi a minha mãe que voltaria pra pescar com ela.
   
     - Ela sempre guardava as varas nos dias de chuva, e no dia seguinte aí estavam elas novamente, do mesmo jeito que estão agora. - a senhora chegou em minhas costas, colocou suas mãos em meu ombro e não falou, em consolo.
     - Eu me lembro que prometi que voltaria pra pescar com ela, mas não sabia que ela deixava as varas prontas todos os dias... na esperança de que eu viesse. - disse eu.


     Por alguns momentos, fiquei olhando o rio mover-se e despejar-se no lago enorme. Voltei ao chalé, e procurei mais uma vez a minha mãe, que desta vez já estava acordada.
   
     - Olá, mãe. - ao me ouvir, olhou para mim, surpresa, e sorriu. Retribuí seu sorriso e me aproximei dela. - Como você está?
     - Estou bem, meu filho. Estava à sua espera. - disse, com a voz trêmula - Nós vamos pescar hoje, então? Lembro-me bem que me prometeu que faria isso. Estou velha, mas me lembro de muita coisa. - falou sem severidade.
     - Eu sei mãe. Uma das minhas promessas está cumprida, já que prometi à senhora que teria filhos, e os tive. A senhora tem duas netas maravilhosas.
     - E onde estão elas? Estou com saudades, quero vê-las! - ela sorriu.
     - Elas não puderam vir, mamãe.  - baixei a cabeça, triste por não ter sido possível dar esta satisfação á ela.
     - Bom, terei outra chance de vê-las.
     - Muitas, mamãe.


    Sorri para ela e lhe dei um beijo estalado na testa. Olhei-a mais um vez e saí do quarto. Continuei a caminhar pelo corredor, mas parei em frente à porta do meu antigo quarto. Toquei na maçaneta. Pensei em não entrar, mas logo fiquei o mais forte emocionalmente que pude, pois sabia que ali dentro algo podia abalar-me. Não pensei. Girei a maçaneta e abri a porta. Deparei-me com meu quarto azul, com meus cadernos abertos no meu último dever que tinha a fazer, duas cadeiras, a cama bem arrumada... tudo como estava no dia em que saí. Deixei a porta aberta e sai dali um pouco perturbado. Voltei ao quarto de minha mãe. Assim que a vi, entrei em choque. Ela estava agonizando. Em pânico, corri pra perto dela e segurei firme sua cabeça, chamando por ela.


  - Mãe, Mãe! Você está bem?
  
      Seus tremores pararam assim que me ouviu. Então, ela sorriu pra mim e me olhou, feliz.


     - Estou ótima, meu filho... mas meu tempo aqui já acabou. Pedi ao meu Deus que me desse  a chance de te ver uma ultima vez. Agora eu vou partir. - ela ia fechando os olhos cada vez mais - Meu filho, ensine às minhas netas o que é certo e errado. Ensine elas a caminhar sem precisar de seu apoio.
     - Mãe, acalme-se... vai ficar tudo bem. - ela sorriu e fez um esforço para se virar pra mim.
     - Sim, filho. Vai ficar tudo bem agora.
     - Mãe... - deixei escorrer uma lágrima por meu rosto.
     - James? Você está chorando? Você prometeu a mim que não choraria quando eu tivesse que partir.
     - Eu sei, mas... - As lágrimas caíam em profusão.


    Ela colocou a mão em meu rosto e limpou minhas lágrimas.


     - Deixe que estas lágrimas caiam, mas fique feliz. Eu irei pra um lugar bem bonito. - disse isso e tocou em meu peito - Vou ir pra outro lugar mas nunca vou sair daqui, não é?


    Entre soluços, respondi:


     - Não. Não irá sair daqui jamais. - juntei minha mão à sua e fiquei olhando-a - Mãe, eu te amo muito. 
     - Eu também, meu filho. Te amo muito. - Seus olhos se fecharam, mas um sorriso ficou aberto em seu rosto, como toda vez que dormia.


   Chorei. Abracei ela o mais forte possível, e agradeci por ela por ter me ensinado a viver, por me levantar nos momentos em que caí e precisei de ajuda para levantar. Agradeci as madrugadas que ela passou em claro por mim, agradeci os curativos que ela fez muitas vezes em meus joelhos ralados, e assim me despedi dela, fazendo carinho em seus cabelos brancos... olhando seu sorriso enquanto dormia eternamente. 


Zeca.